terça-feira, 1 de maio de 2012

A Vingança do Elefante



“O espírito é memória, e talvez seja apenas isso. Pensar é lembrar-se de seus pensamentos; querer é lembrar-se do que se quer. Não é, por certo, que só se possa pensar o mesmo ou querer o que já se quis”.
“ (...) Epicuro fez disso uma sabedoria: na tempestade do tempo, o porto profundo da memória... Mas o esquecimento é um porto mais seguro. Se os neuróticos sofrem de reminiscência, como dizia Freud, a sanidade psíquica bem que deve, em alguma coisa, alimentar-se de esquecimento”. (André Comte-Sponville)
“Fui eu quem o fiz”, diz a minha memória. “Não posso ter feito isso” diz o meu orgulho e mantém-se irredutível. No final, é a memória que cede.  (Nietzsche)
                                                                                                                          
O filme francês O Quarto Verde (1978), conta a história de Gérard Mazetum, um homem cuja esposa acabara de falecer. Tomado por saudade e por algum tipo fidelidade, Gérard constrói um “altar” em memória de sua falecida esposa. A trama se desenvolve em torno desse amor do personagem pelos mortos, já que ele trabalha na seção de anúncios fúnebres de um jornal e passa a respeitar profundamente a lembrança dos que já se foram. Ele se recusa a esquecer “em um mundo onde todos se esquecem”. Assim, Gérard passa a viver numa espécie de apego pelo que se perdeu, contra o que se tem. Um apego ao apego e uma constante memória da memória que o impede de seguir sua vida, se relacionar plenamente com as pessoas que o cercam e encontrar o amor.

“Deus preserve o homem de esquecer de esquecer”!
...

A sociedade brasileira é constantemente criticada pela sua falta de memória, principalmente no que diz respeito à reeleição de determinados candidatos, ou na falta de respeito por alguns símbolos da pátria e da cultura. Esse tipo de memória, motivo da existência de estátuas, obeliscos e feriados, em certo sentido, é a memória que se deve cultivar. Como forma de respeito histórico? Sim. Como uma forma de educação? Certamente. Existem diferentes tipos de memórias e elas podem servir para coisas diferentes? Não sei. Por isso eu escrevo.

Penso que a memória seja uma só e existem coisas das quais nunca devemos esquecer e ainda lutar para que elas sejam lembradas por todos. Contudo, existem coisas das quais devemos cuidar com a maior e mais sincera forma de desapego. E essas são, na maioria das vezes, as nossas próprias coisas. Nossas malas e gavetas... nossos baús.

Quanta coisa guardada! Quanto apego. A ideia de Gérard por mais nobre que fosse, o paralisou e o privou de querer, de ir e de ser. Sua existência de certo modo foi atada pelo respeito e pela fidelidade profunda a respeito do que foi. É nesse momento que nos vem a MEMÓRIA que o equilíbrio é a base que sustenta o bem viver, pois assim como não se pode viver só do passado e querer sempre o que se quis, não podemos fingir que não vivemos e nem esquecer de que se quis, e por vezes, do que se quis. Esse tipo de memória desprovida de orgulho e de apego desmedido é uma excelente forma de fidelidade (ver texto Desfrutando Eternidade, 2010).

Alimentar-se de esquecimento e de lembranças. Gastar toda energia possível ao equilibrar-se entre os dois alimentos, rezando para esquecer-se do que se deve, sem deixar nada importante para trás. 

Eu escrevi algo parecido há pouco mais de um ano atrás. Algo com a mesma temática e baseada no mesmo texto. Acho que eu tenho que me lembrar de esquecer e praticar esse esquecimento. Por isso escrevo: pelo paradoxo; Para ser um elefante que só quer se lembrar de esquecer, em alguns casos. Por saber que eu não sou assim. Por saber que eu vou lembrar. Assim, eu sigo as palavras do Pregador: “sobretudo o que se deve guardar, guarda o teu coração ...”. Por saber que guardo muitas outras coisas, vou tentar com afinco guarda-lo melhor.

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