É sobre motivos e sentidos. Tudo que se constrói em se tratando de vidas humanas, se constitui a partir da junção de motivos ou motivações que levam determinado indivíduo a praticar tais e tais atos. De acordo com o sentido dos acontecimentos e do sentido prévio que motivou tais ações, o conjunto dessas ações praticadas, mais precisamente o resultado da prática dessas ações, determinarão a sorte dessa pessoa. Faço-me mais claro: O que eu sou hoje é o resultado de escolhas e caminhos, de resoluções e atitudes, por vezes planejadas, por vezes não, mas que fatalmente me encerram como o que sou, ou pelo menos, como o que estou sendo: “result c’est moi”! Tais acontecimentos, que dependem diretamente da minha interferência, estão associados como o sentido para o qual eu pretendo direcionar a minha vida. E em uma expressão corriqueira, mas que vem a calhar com esse discurso, nós nos deparamos de certa forma com um “sentido para a vida”. Tomar algo que não tem sentido (a vida em si), e dar-lhe um sentido.
Da mesma forma, nos deparamos com os sistemas de sentidos. O Pondé disse que “religiões são sistemas de sentido. A vida, aparentemente sem muito sentido, precisa de tais sistemas. A profissão pode ser um. A dedicação aos filhos, outro”. Assim tentamos “encaminhar” nossas vidas por determinada via, procurando pela tal da felicidade. E “ser feliz pra que mesmo?”. Não interessa mais.
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Já falei rapidamente disso que seria “um sentido”, como motivador das ações que tomamos na tentativa de continuar seguindo “tal sentido”, seja lá qual for. Eu quero falar agora do que seria “o motivo”, ou o meu motivo.
O meu motivo foge daquilo que costuma ser entendido por motivação. O meu motivo é subjetivo, ele parte de um conceito abstrato e é um motivo que não serve pra nada!
Eu quero comparar esse(s) motivo(s) que eu procuro não como um sentido, algo abrangente e conceitual, que tomaria toda a minha existência a fim de mantê-lo. O motivo que eu busco é o motivo da música.
Em música, é chamado de motivo uma sequencia, um fragmento recorrente ou um padrão que se repete. Essa sequencia ou esse padrão pode ser utilizado pra construir a música inteira. Esse fragmento pode ser pequeno, mas ainda assim a música se baseará nesse detalhe. Por exemplo, a quinta de Beethoven onde “o padrão de três notas curtas seguidas por uma longa é repetido ao longo de todo o primeiro movimento”: tan-tan-tan- taaaaaaaan! Como Eleanor Rigby dos Beatles com a cadência se repetindo em dois tempos ao longo da música. É mais ou menos isso. Eu não entendo de música. Mas eu sei que eu quero um motivo assim, e sei que eu quero viver por esse motivo; viver por música. Não pra ser feliz, só pra ter um bom motivo pra continuar vivendo...
Carlo Drumond Andrade disse que “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Eu blasfemaria as palavras dele dizendo que ter motivo sem precisar ser feliz é uma ótima forma de alegria! E o que é a alegria senão bons momentos em nossa existência? Fragmentos de sossego e contentamento (e porque não dizer de felicidade) nesse mar de desconforto e solidão? A alegria pode ser de qualquer tamanho e nós esperamos que ela se repita, tal qual o motivo! As palavras de Spinoza que estão no cabeçalho desse blog agora fazem muito sentido: “Esforça-te por agir bem e manter-se alegre”. Esforça-te por encontrar bons motivos; viva por música!
No livro “A insustentável leveza do ser”, os personagens se deparam por vezes com o encontro com esse “motivo”. O autor Milan Kundera era, notadamente, músico. Ele soube criar seus personagens por música e soube escrever um excelente romance com um bom motivo e como um bom motivo. Assim temos um exemplo de obra baseada no que se quer na vida. Obra dele e minha vida, é claro. Apenas no que tange a construção do romance (as ideologias presentes pertencem a outra história, que não é para agora).
Vida minha em busca de motivos. Minha vida, meus motivos. Quero estar atento a eles. Quero reconhecê-los e desfrutá-los. E assim o sentido de minha existência se tornaria achar esse motivos? De forma nenhuma. Tal existência só cansaria qualquer existente.
Os motivos surgirão, mas no fim das contas se é só. Você poderá até prolongar os motivos, mas não eternizá-los. No final das contas se é só nessa curta vida. Sendo assim, guarde seus motivos para os momentos da solidão. Aquele riso, aquela conversa... aquela idéia. Todos os pequenos motivos que se agregam ao longo da experiência vida. Pode até ser que se encontre um motivo tão bom que se queira só ele. Sempre ele. Prefiro não ter tal esperança. Seria mera imaginação. Ainda assim, não se peca por querer tal coisa.
Por fim, deixo este texto confuso com as palavras do escritor sueco Dag Hammarskjold:
“Não sei Quem – ou o Que – formulou a questão. Não sei quando foi formulada. Nem me lembro se a respondi. Mas em algum momento eu disse “Sim” a Alguém – ou a Alguma Coisa - , e a partir desse momento tive certeza de que a existência tem sentido e que, por isso, minha vida, em entrega pessoal tinha um objetivo”.
Qual sentido da vida? Taí uma pergunta tão maravilhosa que não merece ser trocada por uma resposta (resumindo a história do rabino contada por Yancey). Me dê motivos; Não sei se terei certeza ou seguirei algum sentido, mas eu adoraria dizer “Sim”.