domingo, 13 de novembro de 2011

Cemitério para Insetos

Quando eu era criança, eu me envolvia em alguns projetos. Projetos meus, para serem realizados por mim mesmo. A maioria versava sobre desenhos e desenhar, minha eterna paixão adormecida, para a qual eu não dei atenção o suficiente e que acabou por se divorciar de mim (talvez eu escreva para ela qualquer dia desses para pedir reconciliação). A maioria dos projetos eram esses desenhos, que eram estorinhas de ação, comédia... aos quais eu nunca terminava. Antes disso, antes desse tipo de projeto artístico, meus projetos infantis tinham a ver com animais. De um deles, em especial, eu me lembro bem.

Era uma tarde. Chovia. A estação do ano, não me lembro. Ainda não me atentava para as épocas e nem para a poesia que há em escrever delimitando o tempo através delas. Se soubesse disso, aprisionaria essa memória futura a uma estação, a alguma sensação de frio ou calor, o que te ajudaria a se sentir como eu me sentia e a se transportar para onde eu estava. Mas eu tinha algo melhor que a poesia. Eu tinha a infância e você teve sua infância, o que sem dúvida te ajudará a se sentir como eu me sentia e irá te transportar para onde eu estava.

Era uma tarde. Chovia. Eu estava em casa com aquele tédio inerente às crianças. A chuva passou. Fui para o quintal. O quintal da minha casa era diferente do que é hoje. Ele tinha menos concreto e ajudado por todo o “naipe” bucólico do meu bairro, após a chuva, se tornava não um abrigo, mas uma passarela para inúmeros pequenos seres vivos que saiam para vadiar: eram os insetos.

Eu os observava encantado, quando vi um besouro morto. Aí foi quando tive minha idéia brilhante: “vou enterrá-lo. Vou enterrar todos os insetos mortos. Vou construir um cemitério de insetos”. E assim o fiz. Cavei uma pequena cova na terra úmida e coloquei o pequenino defunto. Coloquei também uma pedrinha, como se fosse a lápide, o epitáfio, sei lá. Cerquei um pequeno perímetro que seria a área do cemitério, compactei com os dedos a cova do defuntinho e esperei por mais óbitos. Entrei em casa, e esperei. Impaciente, saí novamente. Revirei o quintal inteiro procurando cadáveres. Nada. Eu fiquei irritado. Ninguém mais morria, só porque eu tinha feito um cemitério. Eu me sentia como O Bem Amado e como Odorico Paraguaçu, eu tive que tomar minhas providências. Ora, se ninguém morria por vontade própria eu tinha que forçá-los: foi aí que começou a matança. Naquela mesma tarde meu cemitério de insetos estava sem mais vagas. A mini vida natural do meu quintal nunca se esquecerá daquele terrível dia.

...

Hoje, faz muito calor na primavera baiana. Uma borboleta me fez lembrar daquele dia fatídico, não porque ela estava morta ou porque eu a matei, mas porque eu apenas a olhei.

Saí na varanda e essa borboleta se aproximou e voou ao meu redor e voou mais e continuou voando. E eu apenas olhei. Nem sequer estendi a mão para tentar tocá-la. Somente olhar para aquele pedacinho de papel colorido voando como se estivesse a sorte do vento me satisfez. Quando criança isso não me bastaria. Provavelmente eu ia tentar tocá-la, capturá-la, matá-la. Olhar não seria suficiente. Eu iria querer a borboleta sempre, sem saber que o “sempre” iria fazer exatamente eu não querê-la mais. A falta da borboleta me faz querer olhar para a borboleta. Se eu a tocasse, poderia atrapalhar seu vôo ou danificar suas frágeis asas. Se eu a matasse ela não voaria mais. Ela estaria junto com os outros na minha macabra brincadeira de criança, enterrada no meu quintal. Esses cadáveres não brotarão e nem darão flores como os de T.S. Eliot. Esses insetos mortos no quintal só servem para comprovar a natureza ingenuamente perversa das crianças e para me ajudar em uma metáfora simples sobre o amor e sobre a admiração: Liberdade para a coisa amada, ao seu tempo ela voltará e você poderá admirá-la de novo. Ao seu tempo ela voltará e voará a seu redor sem te pedir coisa alguma. Você entenderá isso e dirá para ela: ”tudo certo amor, eu não vou atrapalhar seu vôo".

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Codex


Passe de mágica
Salte no final
Num lago límpido
Ninguém por perto
Só libélulas
Voando pelas margens
Ninguém se fere
Você não fez nada errado
Deslize suas mãos
Salte no final
As águas são límpidas
E inocentes
As águas são límpidas
E inocentes

Vídeo (não oficial) - Codex - Radiohead (The King of Limbs, 2011)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Devaneios sobre aspas no amor


Texto escrito em uma agenda velha que encontrei na última casa abandonada que eu inventei:

Tudo que eu preciso é acertar seu ritmo, para não ter que me esforçar para te alcançar nem ter que parar pra esperar você.

Tudo o que eu preciso é descobrir porque o sorriso dela é em câmera lenta, assim como o seu choro, assim como seu tudo.

Eu só queria ver um único romance de trás pra frente, um desses que começam com lágrimas e corações partidos e terminam na conquista, queria ver isso pelo menos uma vez na vida, em um sonho que eu sonhei para mim mesmo.

Tudo que eu queria era pensar palavras de amor tão bonitas que as pessoas quisessem tatuá-las no braço, nas costas... as meninas, nos pés.

Eu queria agora era lamber seu cérebro e sentir o gosto de seus pensamentos. Não para sabê-los, só pra degustar um pouco da sua essência.

Eu queria também, encher um balão de lágrimas e esperar você passa em minha porta. Aí eu o jogaria bem na sua cara... mas isso já seria maldade. Eu queria saber esperar.

Eu queria uma linha e uma agulha tão poderosa que eu pudesse costurar minhas ideias umas as outras e me fizesse parar de pensar em libélula.

Eu queria acertar de vez em quando.

Eu queria não ter versos de músicas de amor dos outros ou versos dos outros sobre o amor em minha cabeça. Quero os meus próprios. Só os meus.

Tudo que queria mesmo é cheirar um amor novo, já que eu sei que amores têm cheiros. Amor de verdade cheira a sono! Amor mais ou menos cheira a perfume.

Flores colhidas têm cheiro estranho. Como dar flores pra alguém poderia ser romântico? Como cortar as partes mais belas de um vegetal e entregá-las pra murcharem e morrer na casa de alguém pode ser um sinal de apreço?

Se eu tivesse um jardim...

Eu tenho um espaço vazio no meu coração onde as aves do céu fazem ninho e as plantas silvestres fincam suas raízes. Eu tenho deslembranças em minha mente por conta da última ressaca do mar.

Eu tenho um espaço vazio no coração. Eu tenho deslembranças em minha mente. Ainda assim, existe algo em mim que nem eu e nem você conseguimos deixar de desejar.

Eu tenho tudo isso. Isso tudo me tem. Eu queria isso tudo e isso tudo me queria.

Se eu tivesse um jardim...